CICLO DE CONFERÊNCIAS – DIA NACIONAL DAS COLECTIVIDADES. 2019
31 MAIO – ASSEMBLEIA FIGUEIRENSE – FIGUEIRA DA FOZ
Agradecimento e saudação
Permitam-me que comece por agradecer a disponibilidade da Câmara Municipal e da Associação das Colectividades da Figueira da Foz. Sem a iniciativa e cooperação destas duas entidades não seria possível estarmos aqui a comemorar este importante dia. Saúdo todos os presentes e espero poder contribuir para a reflexão e pensamento crítico de um tema tão importante e oportuno como as relações entre o Poder Associativo e o Poder Autárquico.
Esta Conferência destina-se a iniciar uma reflexão mais profunda na nossa Confederação sobre este tipo de relações. Será uma reflexão não localizada, ou seja, podendo existir coincidências entre o que vai ser dito e a realidade figueirense, os conteúdos são gerais para o nosso associativismo e para o nosso país. Esta Conferência inicia um ciclo de 3 Conferências inseridas nas comemorações do Dia Nacional das Colectividades, tendo como âncora: os 95 anos de fundação da FSER em 31 de maio de 1924; os 75 anos da fundação da FCDPorto em 1944; os 70 anos da transformação da FSER em FPCCR em 1949; os 45 anos do 25 de abril em 1974 e ainda, os 15 anos das primeiras eleições da atual Confederação em 2004. Por essa razão, o ciclo de conferências foi intitulado como “Associativismo e Democracia”. Seguir-se-ão as Conferências do Porto a 15 de junho sobre “Estruturação Associativa – passado, presente e futuro” e a de Lisboa a 13 de julho sobre “As relações entre o Poder Associativo e o Poder Central”.
Um pouco de história
Ao olharmos para a nossa história, vemos como estes dois poderes se relacionaram ao longo dos tempos. Se recuarmos 60 anos, teremos presente a existência de uma Guerra Colonial que arrastou milhares de jovens que, em grande parte, eram ativistas e dirigentes associativos. Nunca saberemos, ao certo, quantos morreram ou ficaram estropiados, impedindo-os de regressarem à atividade associativa.
Ao contrário do que sucedia na sociedade e nas instituições políticas, no MAP antes do 25 de Abril, os Dirigentes eram eleitos e o processo de eleição era democrático não obstante as autoridades exigirem conhecer antecipadamente quem eram os candidatos.
Havia muitos casos em que as Mulheres não podiam associar-se sem autorização dos pais ou maridos mas também havia quem resistisse a este anacronismo. Ainda assim, houve muitas Mulheres que furaram este preconceito e foram dirigentes no tempo da ditadura.
O MAP, na sua vida diária, defendia valores e princípios que aqui ou ali desafiavam a ditadura e, ao mesmo tempo, permitia que homens e mulheres do Povo, tomassem nas suas mãos a resolução dos seus problemas como o acesso à cultura, ao recreio e ao desporto. Foram-se formando como indivíduos que se distinguiam dos demais, conheciam outras realidades, outras regiões e outras formas de ver a sociedade. Aprenderam a gerir recursos humanos e financeiros, resolver conflitos, estabelecer parcerias. Aprenderam a construir de forma coletiva o seu futuro. Talvez por isso, quando surgiu a madrugada libertadora do 25 de abril de 1974, fossem quem estava em melhores condições de assumir responsabilidades em democracia. Foram chamados para integrar os partidos políticos, os sindicatos, as comissões de moradores ou melhoramentos, mas também as comissões administrativas democráticas das autarquias em substituição dos indigitados pela ditadura.
Com as primeiras eleições democráticas para as autarquias em 1976, houve milhares de Dirigentes Associativos que ocuparam cargos da maior importância. Por serem parte das populações e conhecerem os seus problemas, serem muito ativos, dedicados e competentes, o processo de democratização e a resolução dos problemas básicos foi realizado com êxito, com poucos meios e em muito pouco tempo. É evidente que, ao terem assumido cargos autárquicos, deixaram cargos associativos e isso teve impactos no MAP. Aliás, se estivermos atentos, ainda hoje temos uma rotação de Dirigentes Associativos que foram ou são Autarcas e vice-versa.
Da perspectiva empírica à perspectiva científica
A história, a sociologia, a psicologia ou a política, enquanto ciências, dizem-nos que as relações sociais – entre pessoas ou grupos – podem ser de três tipos: cooperação, conflito ou indiferença.
Estas variáveis estiveram e estão presentes nas relações entre estes dois poderes, sendo que, preferencialmente são de cooperação. Cremos que esta relação de cooperação se deve essencialmente a razões históricas e à composição sociológica dos elementos que as compõem mas também por razões de identidade cultural e territorial. Podemos por isso afirmar que a relação entre estes dois poderes tem dado um forte contributo para a resolução dos problemas das nossas populações e, por essa razão, estamos perante agentes de transformação social. No que ao MAP diz respeito, através da cultura, recreio e desporto, é possível despertar consciências, promover valores como a solidariedade, a cooperação, a justiça e a transparência que contribuem, de forma preventiva para a inclusão, coesão social e territorial.
Contudo, não nos podemos iludir. Apesar dos avanços conquistados ao logo dos últimos 45 anos e da contribuição decisiva que demos para a qualidade da nossa democracia, há muitos problemas que, parecendo que são do associativismo, são antes de mais da sociedade mas com reflexo no associativismo. São problemas que o poder associativo e autárquico, mesmo juntos, não pode resolver. Podemos, isso sim, colaborar e pressionar os poderes centrais para a sua resolução.
Os mecanismos de cooperação e sua regulação
Os mecanismos que regulam as relações entre estes dois poderes são muito variados. As relações entre estes dois poderes são de ordem social e informal mas são também de ordem formal e legal. A legislação emanada da AR ou do Governo, os Regulamentos Municipais, são, entre outros, os mais conhecidos. Os impactos dos mecanismos legais são, em muitos casos, prejudiciais ao MAP. Ao analisarmos os artigos da CRP sobre a Cultura ou o Desporto, é evidente que a responsabilidade é do Estado em cooperação com as colectividades e associações e não o contrário. Ainda há quem pense que a responsabilidade é das colectividades e, ao Estado, central ou local, caberá apenas o apoio financeiro. Nada mais errado. Esta é uma questão central das relações entre estes dois poderes. Estas relações devem ser equilibradas e de parceria e não de quem tem o dinheiro público e usa a seu belo prazer e de quem precisa para realizar o que, afinal, é competência do Estado.
Outro mito que exige esclarecimento, é o facto de se pensar que o MAP é subsídio-dependente. Nada mais errado. Os valores apurados em vários estudos, apontam para que o MAP receba entre 12 a 15% de verbas públicas no conjunto das suas receitas. Contudo, as despesas mostram que cerca de 23 a 25% são pagamentos de impostos diretos e indiretos. Por outras palavras, o MAP é um contribuinte líquido do OE em cerca de 10%. Aqui temos mais um conceito errado sobre o qual importa refletir e corrigir.
Legislação e políticas centrais
A legislação e políticas centrais apresenta vários constrangimentos. Desde logo porque nos equiparam a empresas ou entidades com fins lucrativos e com gestões profissionalizadas. Por outro lado, porque os poderes centrais declinam a sua responsabilidade constitucional no poder local – autarquias, sem descentralizar os respetivos meios financeiros e legais.
São exemplo disso, o caso da lei 8/2012 de 21 de fevereiro – “Lei do Compromisso” em que a sua aplicação visava o pagamento de dívidas em atraso, o que acontecia com milhares de Colectividades em valores que ainda hoje estão por apurar e por receber. O que estava em causa não era a falta de pagamento mas a falta de transferências do OE e o incumprimento da Lei de Finanças Locais.
Outro exemplo, é o caso da extinção e fusão de freguesias – lei 22/2012 de 30 maio, suprimindo mais de 1.000 autarquias e cerca de 20.000 eleitos autarcas. Uma medida que parecia ser de ordem economicista, foi um grave atentado à democracia participativa e representativa. Quando foi pedida opinião ao MAP, este manifestou a sua discordância e preveniu para os impactos que hoje estão bem à vista. Por isso apoiámos as lutas e manifestações da ANAFRE realizadas em Lisboa e ainda hoje estamos disponíveis para exigir a reposição das freguesias onde os autarcas e o Povo assim o desejarem.
Regulamentos Municipais e políticas locais
No que respeita à aplicação dos Regulamentos Municipais de Apoio ao MAP, medida que sempre defendemos e ajudámos a construir, continuamos a defender que estes sejam feitos e atualizados com a participação, auscultação e acompanhamento do MAP.
Os mecanismos de candidatura e de apoio foram sendo afinados e cada vez mais exigentes, calculando-se que, atualmente, mais de 60% das colectividades, associações e clubes não tenham qualquer apoio das autarquias por dificuldades de eles próprios se candidatarem e preencherem os requisitos impostos pelos Regulamentos. Urge dar atenção a esta questão quer do lado das autarquias quer do lado do MAP.
Outras áreas existem onde temos excelentes exemplos de cooperação entre os dois poderes. Desde logo, na participação em órgãos de consulta como os Conselhos Municipais do Associativismo… Desporto… Juventude… Cultura ou ainda com outras designações e funções como a Proteção de Crianças e Jovens em Risco. São bons exemplos de partilha, cooperação e participação cívica.
Em muitos municípios estão em desenvolvimento experiências que visam a simplificação de procedimentos com tirar licenças, pagar taxas, autorizações e outras obrigações legais. Caminhamos para a existência de “Balcões Únicos” onde os Dirigentes Associativos possam num único ato, resolver toda a complexa e exigente legislação.
Existem ainda casos em que, independentemente da expressão numérica ou de antiguidade da associação ou colectividade ou da propriedade das instalações, já existe um estatuto de interesse público municipal, ou as suas instalações são declarados imóveis de interesse municipal. Há muitos casos onde a regularização técnica e legal das instalações e as medidas de auto proteção contra incêndios, estão a ser aplicadas em cooperação entre as autarquias e as colectividades e associações.
Conhecemos muitos municípios que já realizaram estudos detalhados sobre a realidade associativa nas suas várias expressões. Sabem quantas associações têm, quantos Dirigentes Associativos envolvem, o número de associados, a rede de resposta das actividades desenvolvidas, os valores financeiros e patrimoniais existentes, e os impactos que este associativismo tem nas comunidades e nas várias faixas etárias.
Muitas das páginas ou sítios das autarquias disponibilizam espaços e informação sobre a realidade e actividade associativa. São inúmeras as autarquias que promovem a formação, capacitação e qualificação dos Dirigentes Associativos e contribuem assim para uma melhor gestão associativa e melhor relação entre estes dois poderes.
Ao falarmos destes dois poderes, não será despiciente, lembrar a importância que estes, uma vez somados, podem ter a nível nacional. No que ao MAP diz respeito, confirmado pelo INE, existirão cerca de 425.000 Dirigentes Associativos. No plano quantitativo, sabemos existirem, em média, 12 vezes mais eleitos em associações e colectividades do que eleitos autárquicos. São dados poderosíssimos que importa valorizar e divulgar. Por fim, não menos importante por ser um indicador da sensibilidade e proximidade com o MAP, são os exemplos dos municípios que agendam e comemoram o Dia Nacional das Colectividades como é o caso da Câmara Municipal da Figueira da Foz.
Aqui chegados, permitam-me que recorde o que foi dito inicialmente. Esta intervenção, podendo ter coincidências com a realidade figueirense, destina-se apenas a contribuir para a reflexão da relação entre dois poderes, o poder associativo e o poder autárquico como forma de proximidade às populações e à resolução de parte dos seus problemas. É isto que nos move e foi isto que nos levou a decidir a realização desta conferência. Esperamos que as questões ora levantadas sirvam de reflexão no futuro.
Muito obrigado pela atenção dispensada e votos de êxitos nas funções autárquicas, associativas e de felicidades pessoais.
Augusto Flor, Dr.
Presidente da Confederação das Colectividades
Siglas: ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias; AR – Assembleia da República; CRP – Constituição da República Portuguesa; FCDP – Federação das Colectividades do Distrito do Porto; FPCCR – Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio; FSER – Federação das Sociedades de Educação e Recreio; INE – Instituto Nacional de Estatística MAP – Movimento Associativo Popular.
Last modified: 15 de Setembro, 2020