É o calor da comunidade que sobressai neste fim de tarde na Delgada, a maior aldeia do concelho do Bombarral. Apesar do frio de Dezembro, não há dúvidas de que uma colectividade de braços abertos, raízes populares e olhos postos no futuro apaga qualquer incerteza sobre a importância do associativismo na vida das pessoas. É o caso do Clube Recreativo Delgadense.
No coração da povoação, ergue-se o edifício construído pelas mãos voluntárias da população a seguir à revolução que pôs fim à ditadura. À porta, conversam Filipe Correia e Conceição Brazão enquanto lá dentro decorre uma actividade de recolha de sangue. São duas gerações distintas mas com o mesmo propósito. Filipe Correia é jovem e assume o cargo de presidente da direcção da
colectividade, Conceição Brazão, já reformada, é conselheira nacional da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD) e sócia do Clube Recreativo Delgadense há pelo menos 35 anos.
Entre vários jovens que entram e saem, Filipe Correia explica que esta colectividade com mais de três centenas de associados é fundamental para a Delgada e que são muitas as actividades que aqui se realizam. A poucos dias do Natal, preparam a distribuição de presentes às crianças da aldeia e, apesar da pandemia, o clube recreativo esforça-se por manter vivo o espírito associativo.
Conceição Brazão recorda que aqui se fazem apresentações de livros de autores do concelho, tertúlias sobre importantes figuras da literatura portuguesa como António Aleixo e Florbela Espanca e debates que trazem para cima da mesa temas como a violência de género e o alcoolismo. Mas um dos pontos fortes é a actividade do grupo de teatro “Os Lendários”. Jovens dos 11 aos 17 anos juntam-se aqui para ensaiar peças que, por vezes, vão a outros pontos do concelho. Preocupada com os efeitos das restrições, Conceição Brazão lembra que a pandemia “parou a actividade quando já havia trabalho feito”. Foi uma “quebra no ritmo de trabalho”. Ainda assim, considera que os jovens não desmobilizaram e mantém-se o desafio de passar o “bichinho do associativismo popular” através do teatro.
O presidente da colectividade é da mesma opinião. Diz que sente a resposta das pessoas que consideram importante o trabalho que se desenvolve. Para tal, o clube recreativo tem trabalhado para melhorar as condições do edifício. Para além de obras no palco, nas luzes e no isolamento, a cozinha está a receber melhorias para acomodar as necessidades da agenda anual. Filipe Correia assinala que numa das festas que organiza esta colectividade há três palcos em simultâneo com ranchos, bandas e dj’s. Não é coisa pouca. Conceição Brazão não deixa de mostrar orgulho neste jovem dirigente associativo. “Não conheço quem se entregue tanto”, confessa. E tem razões para isso. Filipe Correia é um dos filhos deste clube recreativo. Dos seis aos sete anos fez aqui ginástica antes de participar nas marchas organizadas pela colectividade e depois participou na equipa de futebol. Vem todos os dias ao Clube Recreativo da Delgada e não sabe como seria a sua vida sem a colectividade. Olha à sua volta e para o contributo que todos dão: “Eu sou um optimista por natureza, acredito que as pessoas dão o melhor de si todos os dias”.
Mas se o trabalho associativo dá frutos na Delgada, Conceição Brazão é uma espécie de embaixadora que leva como ideal a vontade de reforçar laços entre as associações e colectividades. É presidente do Move Associativismo, uma entidade com três anos que reúne várias associações do concelho. Para esta dirigente associativa, é um trabalho que “tem dado frutos”, sobretudo num conhecimento maior da realidade do movimento associativo, um sector “muitas vezes esquecido pelas autarquias”. Conceição Brazão é peremptória quando afirma que sem as colectividades “não havia desporto nem cultura” e lembra a luta para que metade do IMI pago por estas entidades seja isento. Com anos de intervenção em prol do associativismo, Conceição Brazão quer ir mais além com uma escola do associativismo, um projecto piloto no Bombarral para a formação dos mais jovens, que, quem sabe, se pode estender ao resto do país.
É certo que a Delgada é uma aldeia mas a vontade e o empenho dos dirigentes deste clube recreativo são do tamanho do mundo. Querem tecer através das suas mãos o associativismo como caminho para comunidades vivas, saudáveis e participadas.
Last modified: 9 de Fevereiro, 2022